sábado, 17 de agosto de 2024

 

DUPLA JUSTIFICAÇÃO EM JOHN WESLEY DEFENDIDA NAS OBRAS DE RANDY MADDOX, KENNETH COLLINS, THOMAS ODEN, COLIN WILLIAMS E HARALD LINDSTRÖM

 

Eu me embasarei neste breve texto nos livros de Randy Maddox (Graça Responsável), Kenneth Collins (Teologia de John Wesley), Thomas Oden (John Wesley's Teachings) Colin Williams (La Teología de Juan Wesley), de Harald Lindström (Wesley and Santification) e nos textos em livros de coautoria de Levy da Costa Bastos e Ely Eser Barreto César sobre a questão da dupla justificação (justificação inicial e justificação final) em John Wesley.

No começo de seu ministério, Wesley discordou fortemente de George Bull que escreveu um livro defendendo a dupla justificação. Segundo Maddox, Bull "distinguia entre a nossa justificação inicial, que não depende de prévia santidade de vida, e a nossa justificação final, que depende de que a nossa fé justificadora frutifique na santificação" (MADDOX, 2019, 331). Posteriormente, Maddox escreve que Wesley mudou de ideia sobre o pensamento de Bull e passou a concordar com Bull chamando-o de a "Grande Luz da Igreja Cristã". Vejamos Maddox: "Ironicamente, ao procurar uma maneira adequqada de se proteger contra isso, ele acabou resgatando algo com a distinção de Bull entre justificação inicial e final, agora - trinta anos depois, - chamando Bull de 'Grande Luz da Igreja Cristã'" (Ibid, p. 331).

Maddox ao citar as Minutas da Conferência de 1770, afirma que Wesley destacou, principalmente na sua disputa contra os antinomianos, as boas obras com necessárias para a justificação final: "Certamente, a forma mais forte em que Wesley colocou esse ponto foi nas infames Minutas da Conferência de 1770. Aqui ele argumentou - em refutação aos usos antinomianos da ideia de justiça imputada - que boas obras interiores e exteriores são necessárias em nossa vida cristã 'como condição' da salvação final" (Ibid, p. 334).

Já no final do livro, Maddox destaca o papel da justificação final. Ele menciona o embate entre Wesley e o pensamento escolástico protestante, principalmente o luterano, sobre o papel das obras. Maddox escreve que: "Uma maneira pela qual ele inicialmente resolveu essa questão [entre Wesley e os escolásticos protestantes] foi concordar que a admissão à salvação eterna era baseada na fé somente, mas sugerir que a recompensa proporcional no céu era decidida pela consideração da nossa resposta ativa (isto é, nossas 'obras'). Essa noção de medidas variáveis de bênção no céu se estendeu para escritos posteriores. Mas o Wesley tardio também passou a insistir em que o próprio juízo inicial deve ser baseado em nossas obras, e que aqueles que negam isso estão minando a base da santidade interior e exterior." (Ibid, p. 483). Vejamos que Maddox enfatiza que Wesley, no final da vida, destacou o papel das obras até na justificação inicial, além da final.

Finalizando sobre o entendimento de Maddox sobre a justificação final em Wesley, ele destaca que entre a salvação pelas obras e a eleição (ou predestinação) incondicional, ele preferiria a ideia de salvação pelas obras. Vejamos: "À acusação de que essas posições [salvação dos não evangelizados pelas obras] implicavam a salvação pelas obras, sua resposta [de Wesley] era que ele preferia a salvação pelas obras se a única alternativa fosse a predestinação incondicional." (Ibid, p. 293)

É importante vermos como Kenneth Collins destaca essa questão da justificação final em Wesley. Collins declara o seguinte: "Wesley reconcilia as noções de justificação somente pela fé e de julgamento de acordo com as obras? No sermão 'On the Wedding Garment' (Sobre o Traje de Casamento) [Sermão 120], de 1790, ele explica que essas duas ideias não são contraditórias desde que se tenha em mente que a primeira pertence à justificação inicial, e a segunda, à justificação final". (COLLINS, 2010, p. 419).

Collins cita o referido sermão (120), para o embasamento da santidade, que envolve obras, como pertencente à categoria, além da justiça de Cristo, como critério para entrar-se na Glória. Wesley, sendo citado por Collins, diz o seguinte: "A justiça de Cristo, sem dúvida, é necessária para qualquer alma que entra na glória. Todavia, a santidade pessoal também é necessária para todos os filhos de homem. No entanto, é indispensável observar que elas não são necessárias em diferentes aspectos. A primeira é necessária para nos dar direito ao céu; a segunda, para qualificar-nos para o céu. Sem a justiça de Cristo não podemos reivindicar glória; sem a santidade não termos aptidão para ela" (WESLEY Apud COLLINS, 2010, p. 419). Mais à frente, Collins comenta que "embora a santificação não seja o fundamento da justificação (inicial), é o fundamento da justificação final" (COLLINS, 2010, p. 421)

 

Collins também destaca uma carta de Wesley a Thomas Church sobre a justificação final: "A título de ilustração, em 1745, Wesley escreve para Thomas Church e não só afirma a noção de uma segunda justificação ('Todavia, a santificação completa acontece antes da nossa justificação no último dia'), mas também insiste que 'a santidade interior e a exterior são condições determinadas para a justificação final'" (Ibid, p. 420).

Collins destaca que Wesley voltou-se para Bull, caso já citado acima por Maddox, devido ao embate contra o antinomianismo calvinista a partir de 1770. Collins assevera que "É provável que esse novo apreço pelo bispo [Bull] seja fruto da crescente preocupação de Wesley durante aquela década, em especial, à medida que conhecera o suposto calvinismo antinomianista de Walter Shirley, Rowland Hill e outros" (Ibid, p. 420).

Thomas Oden, o erudito metodista mais conhecido do século passado, que exalava erudição não somente sobre Wesley, mas sobre toda a patrística (aconselhado pelo Papa Bento XVI a editar um livro sobre o comentário bíblico dos Pais da Igreja, o que Oden fez), corroborou também sobre a dupla justificação em Wesley. Vejamos isto na nota de rodapé do seguinte trecho de sua obra em quatro volumes sobre a teologia de Wesley: Aqui [no sermão A Justiça da Fé - 6], Wesley está assumindo uma 'dupla justificação' recebida primeiro pela fé na obra expiatória na cruz e finalmente confirmada na justificação final no último dia (ODEN, 2012, v. 2, p. 84)

Oden segue afirmando a defesa de Wesley da dupla justificação citando a carta já citada acima a Thomas Church e o texto Some remarks on Mr. Hill’s "Farrago Double-Distilled”: "Wesley explicou a distinção bíblica entre a justificação presente e a justificação final no último dia: 'A justificação às vezes significa nossa absolvição no último dia. Mas ... aquela justificação onde nossos Artigos e Homilias falam [significa] perdão presente e aceitação de Deus; quem em tal pessoa Ele declara Sua justiça e misericórdia, por ou para a remissão dos pecados do passado.' Assim, 'a justificação de que falam São Paulo e nossos artigos é uma só ... No entanto, não nego que haja outra justificação (da qual nosso Senhor fala) no último dia.'" (WESLEY In: Oden, 2012, p. 55-56, vol 2) Oden deixa mais claro ainda sobre essa temática citando Wesley a partir do último texto referido acima dele na nota de rodapé onde consta a citação seguinte: "Nenhuma boa obra pode ser feita antes da justificação. No entanto, eu acredito (e sem a menor contradição) que a salvação final é 'pelas obras como uma condição', no sentido de boas obras fluindo da fé, obras dignas de arrependimento: 'Tudo o que você fez por um dos menores dos meus irmãos, você fez por mim!'" (WESLEY In: ODEN, p. 56, vol 2).

Por fim, Oden destaca a menção clara sobre a justificação final por parte de Wesley, que responde a Lavington: "Todo o 'teor' da liturgia anglicana, artigos e homilias foi resumido de forma concisa por Wesley: '(1) Que nenhuma boa obra, propriamente chamada, pode ir antes da justificação; (2) que nenhum grau de verdadeira santificação pode ser anterior a ela (3) que, como a causa meritória da justificação é a vida e morte de Cristo, então a condição dela é fé, somente a fé; e (4) que tanto a santidade interior quanto a exterior são consequentes desta fé e são comuns, condições declaradas de justificação final.' (ODEN, 2012, p. 86, vol 2.). Constatamos claramente o quanto Wesley defendia a justificação final pelas obras que são oriundas da fé.

O livro La Teologia de Juan Wesley (tradução do original em inglês John Wesley's Theology Today) é um clássico de Colin Williams. Nele, Williams afirma o seguinte sobre este assunto: "Parece, de fato, que Wesley cruza até o ponto de vista católico romano de que há duas justificações: a primeira, pela fé somente, e a justificação segunda e final que vem somente quando esta fé está formada pelo amor de tal maneira que, por fim, pelo uso correto da graça de Deus, o crente é capaz de merecer a salvação pelas obras que seguem à fé." (WILLIAMS, 1989, p. 55)

Williams cita Wesley nas Atas da Conferência de 1744: "P. 14. São Paulo diz: Abraão não foi justificado por suas obras; São Tiago diz que foi justificado por suas obras. Não se contradizem um ao outro? R. Não. (1) Porque não falam da mesma justificação que foi quando Abraão tinha setenta e cinco anos, uns vinte anos antes que nascesse Isaque; São Tiago fala da justificação que ocorreu quando ele ofereceu Isaque sobre o altar. (2) Porque não falam das mesmas obras; São Paulo fala das obras que precedem à fé; São Tiago fala das obras que saem da fé." (WESLEY Apud WILLIAMS, 1989, p. 55) Williams até brinca sobre uma fala de Lutero que a pessoa que harmonizasse estas declarações de Paulo e de Tiago teria o título de doutor: "Um observador se perguntaria se Wesley, com esta explicação, não estaria qualificado para receber o título de doutor que Lutero ofereceu à pessoa que pudesse harmonizar essas declarações de Paulo e de Tiago." (WILLIAMS, 1989, p. 55)

O conceituado teólogo erudito em Wesley, Harald Lindström, no seu livro, também um clássico, Wesley and Sanctification, que é utilizado em demasia por Maddox, Collins e Williams, afirma que "em princípio a ideia de dupla justificação e salvação é apresentada imediatamente depois de 1738", enfatizando, mais à frente, que isso "é [...] evidente nas Minutas de 1744 e em A Farther Appeal [to Men of Reason and Religion], publicado no seguinte ano", completando que "ao falar da salvação final na última obra [A Farther Appeal], Wesley chama 'santidade ou obediência universal de 'condição ordinária'. Para a salvação presente, a fé é a única condição, mas, para a salvação final, as obras são também necessárias". (LINDSTRÖM, 1946, p. 207,208).

Lindström afirma que nas Minutas de 1746 (W.VIII, p. 289. Apud LINDSTRÖM, 1946, p. 208-209) Wesley destaca que cada homem será julgado no julgamento final de acordo com suas obras. Vejamos as minutas citadas por Lindström: "P. 24: Mas você considera que estamos debaixo do pacto da graça, e que o pacto das obras agora é abolido? R. Toda a humanidade estava debaixo do pacto da graça, desde a hora exata que a promessa original foi feita. Se pelo pacto das obras você se refere, que a obediência sem recompensa feita a Adão antes da queda, nenhum homem, a não ser Adão, jamais estava debaixo do pacto; pois isso foi abolido antes de Caim nascer. Mesmo isso não foi abolida, mas permanecerá, em uma medida, mesmo no fim do mundo; que é, se nós 'fizermos isso', nós viveremos; se não fizermos, nós morreremos eternamente: Se agirmos bem, viveremos com Deus em glória; se fizermos o mal, morremos a segunda morte. Pois cada homem será julgado naquele dia, e recompensado 'de acordo com suas obras'" (WESLEY Apud LINDSTRÖM, 1946, p. 208-209).

Em uma carta chamada Carta para Muitos Pregadores e Amigos [Letter to Several Preachers and Friends] de 10 de julho de 1771, Lindström declarou o seguinte: "A salvação final pressupõe 'obras como uma condição'. 'E aquele que nega', Wesley escreve dessa salvação em uma carta explicando os princípios da mesma conferência de Londres, 'que tanto as boas obras internas (amar a Deus e nosso próximo) quanto as obras externas (obedecendo Seus mandamentos) são a condição final dela. O que é isso se não mais ou menos que 'Sem santidade nenhum homem verá o Senhor?'" (WESLEY Apud cLINDSTRÖM, 1946, p. 209).

Lindström destaca que "temos visto, então, que a obediência e obras advindas da fé podem ser direta ou indiretamente chamadas necessariamente de justificação final" e, logo em seguida, salienta que "Wesley faz uma distinção entre 'condição' e 'mérito'. Aqui, santificação é relacionada como uma condição de salvação final, mas não como um mérito no tocante à justificação ou salvação final concedida ao homem". (LINDSTRÖM, 1946, p. 210).

É altamente importante vermos como Lindström esclarece a questão sobre Wesley e Fletcher sobre méritos e evidência das obras. Lindström escreve que "a distinção geral de Wesley entre 'condição' e 'mérito' é feita mais precisamente por Fletcher em A Second Check to Antinomianism (Apud LINDSTRÖM, 1946, p. 210), que distingue entre 'evidência das obras' e 'mérito das obras'. Quando falamos que no julgamento final o homem será justificado pelas sua obras, nenhum mérito é envolvido no conceito de 'obras', e, mais à frente, ele destaca: "É o testemunho, não o mérito, das obras que Wesley tem em mente quando ele torna a justificação final dependente delas. É uma questão de 'justificação pela evidência das obras'. (LINDSTRÖM, 1946, p. 210).

Lindström continua em sua afirmação de que a "obediência e santidade são consideradas necessárias para a salvação final, mas elas não têm significância meritória. Tanto na salvação inicial quanto na final tudo é dependente da obra de expiação de Cristo." Logo depois, ele declara que "a insistência simultânea sobre a salvação final como uma obra de Deus e nas obras como o pré-requisito da justificação final, deve ser entendida à luz de sua formulação da questão; aqui não é primariamente uma questão de se a salvação final é obtida através da graça ou do mérito humano" (LINDSTRÖM, 1946, p. 212-213).

Por fim, Lindström salienta que Wesley enfatizava as obras em total e completa objeção ao entendimento calvinista da eleição: "A importância que Wesley atribui às obras é principalmente embasada na sua objeção à doutrina calvinista da eleição" LINDSTRÖM, 1946, p. 214).

José Míguez Bonino abordou sobre a dupla justificação em Wesley. Segundo ele, é importante ver "a ideia da 'dupla justificação': a primeira, inteiramente pela fé, no momento da conversão e a segunda 'não sem obras', no juízo final'. Esta ideia de uma 'dupla justificação' - expressão em si mesma suspeita para o protestantismo desde a época da Reforma - parece colocar Wesley decididamente fora do campo protestante. Creio que o problema deve ser colocado noutros termos. Wesley jamais imagina uma operação humana autônoma, à parte da graça de Deus". (BONINO IN: BONINO [Et al], 1985, p.147,148)

Levy da Costa Bastos realça toda a história acima sobre Bull e Wesley e declara que "Wesley adotou posição radical e irreversível a esse respeito quando da Conferência de 1770, quando se opôs explicitamente ao antinomianismo, argumentando que tanto as boas obras externas quanto internas são condições necessárias para a salvação final (justificação final). (BASTOS In: RIBEIRO [Et al], 2005, p. 87-88)

Ely Eser Barreto César também propaga a dupla justificação em Wesley ao afirmar que "Wesley introduz a indispensabilidade das boas obras de modo teologicamente estranho ao mundo protestante. A partir de sua constatação empírica da impossibilidade da existência de um cristão sem as obras oriundas do interior mesmo da fé, mas não podendo afirmar a realidade de obras meritórias, face à exclusividade da graça de Deus, ele constrói o conceito da dupla justificação. A primeira, resultado da pura graça, no momento da conversão. A segunda, 'não sem obras', no juízo final". (CÉSAR In: RIBEIRO [Et al], 2005, p. 260)

Enfim, todas as citações acima são pertinentes para evidenciar que Wesley cria na dupla justificação. Sendo assim, foram colocadas citações diretas dos autores citados. Portanto, não é uma questão de entendimento particular meu, mas sim uma constatação pesquisada e embasada nos referidos autores disponibilizados abaixo na bibliografia.

 

BIBLIOGRAFIA

BASTOS, Levy da Costa. Justificação e Justiça em John Wesley. In: RIBEIRO [Et al] Teologia e Prática na Tradição Wesleyana: Uma Leitura a Partir da América Latina e Caribe. São Bernardo do Campo: Editeo, 2005.

 

BONINO, José Míguez Bonino. Metodismo: Releitura Latino-Americana In: BONINO, José Míguez [Et Al]. Luta pela Vida e Evangelização. São Paulo: Paulinas, 1985.

 

CÉSAR, Ely Eser Barreto. O Projeto Missionário Presente no Plano para a Vida e a Missão Confrontado com a Tradição Wesleyana e a Programação Missionária da IM no Brasil de 2003. In: RIBEIRO [Et al] Teologia e Prática na Tradição Wesleyana: Uma Leitura a Partir da América Latina e Caribe. São Bernardo do Campo: Editeo, 2005.

 

COLLINS, Kenneth. Teologia de John Wesley: O Amor Santo e a Forma da Graça. [Trad. Lena Aranha]. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.

 

LINDSTRÖM, Harald. Wesley and Santifcation. Stockholm: Uppsala, 1946.

 

MADDOX, Randy. Graça Responsável: A Teologia Prática de John Wesley. [Trad. Elisângela A. Soares]. São Bernardo do Campo: Editeo, 2019

 

ODEN, Thomas. John Wesley's Teachings: Christ and Salvation. Vol 2. Grand Rapids: Zondervan, 2012.

 

WILLIAMS, Colin. La Teologia de Juan Wesley: Una Investigación Histórica [Trad. Roy H. May; Fanny Geymonat]. San José: Sebilla, 1989.