DUPLA
JUSTIFICAÇÃO EM JOHN WESLEY DEFENDIDA NAS OBRAS DE RANDY MADDOX, KENNETH
COLLINS, THOMAS ODEN, COLIN WILLIAMS E HARALD LINDSTRÖM
Eu me embasarei neste breve texto nos livros de Randy Maddox
(Graça Responsável), Kenneth Collins (Teologia de John Wesley), Thomas Oden
(John Wesley's Teachings) Colin Williams (La Teología de Juan Wesley), de
Harald Lindström (Wesley and Santification) e nos textos em livros de coautoria
de Levy da Costa Bastos e Ely Eser Barreto César sobre a questão da dupla
justificação (justificação inicial e justificação final) em John Wesley.
No começo de seu ministério, Wesley discordou fortemente de
George Bull que escreveu um livro defendendo a dupla justificação. Segundo
Maddox, Bull "distinguia entre a nossa justificação inicial, que não
depende de prévia santidade de vida, e a nossa justificação final, que depende
de que a nossa fé justificadora frutifique na santificação" (MADDOX, 2019,
331). Posteriormente, Maddox escreve que Wesley mudou de ideia sobre o
pensamento de Bull e passou a concordar com Bull chamando-o de a "Grande
Luz da Igreja Cristã". Vejamos Maddox: "Ironicamente, ao procurar uma
maneira adequqada de se proteger contra isso, ele acabou resgatando algo com a
distinção de Bull entre justificação inicial e final, agora - trinta anos
depois, - chamando Bull de 'Grande Luz da Igreja Cristã'" (Ibid, p. 331).
Maddox ao citar as Minutas da Conferência de 1770, afirma que
Wesley destacou, principalmente na sua disputa contra os antinomianos, as boas
obras com necessárias para a justificação final: "Certamente, a forma mais
forte em que Wesley colocou esse ponto foi nas infames Minutas da Conferência
de 1770. Aqui ele argumentou - em refutação aos usos antinomianos da ideia de
justiça imputada - que boas obras interiores e exteriores são necessárias em
nossa vida cristã 'como condição' da salvação final" (Ibid, p. 334).
Já no final do livro, Maddox destaca o papel da justificação
final. Ele menciona o embate entre Wesley e o pensamento escolástico
protestante, principalmente o luterano, sobre o papel das obras. Maddox escreve
que: "Uma maneira pela qual ele inicialmente resolveu essa questão [entre
Wesley e os escolásticos protestantes] foi concordar que a admissão à salvação
eterna era baseada na fé somente, mas sugerir que a recompensa proporcional no
céu era decidida pela consideração da nossa resposta ativa (isto é, nossas
'obras'). Essa noção de medidas variáveis de bênção no céu se estendeu para
escritos posteriores. Mas o Wesley tardio também passou a insistir em que o
próprio juízo inicial deve ser baseado em nossas obras, e que aqueles que negam
isso estão minando a base da santidade interior e exterior." (Ibid, p.
483). Vejamos que Maddox enfatiza que Wesley, no final da vida, destacou o
papel das obras até na justificação inicial, além da final.
Finalizando sobre o entendimento de Maddox sobre a
justificação final em Wesley, ele destaca que entre a salvação pelas obras e a
eleição (ou predestinação) incondicional, ele preferiria a ideia de salvação
pelas obras. Vejamos: "À acusação de que essas posições [salvação dos não
evangelizados pelas obras] implicavam a salvação pelas obras, sua resposta [de
Wesley] era que ele preferia a salvação pelas obras se a única alternativa
fosse a predestinação incondicional." (Ibid, p. 293)
É importante vermos como Kenneth Collins destaca essa questão
da justificação final em Wesley. Collins declara o seguinte: "Wesley
reconcilia as noções de justificação somente pela fé e de julgamento de acordo
com as obras? No sermão 'On the Wedding Garment' (Sobre o Traje de Casamento)
[Sermão 120], de 1790, ele explica que essas duas ideias não são contraditórias
desde que se tenha em mente que a primeira pertence à justificação inicial, e a
segunda, à justificação final". (COLLINS, 2010, p. 419).
Collins cita o referido sermão (120), para o embasamento da
santidade, que envolve obras, como pertencente à categoria, além da justiça de
Cristo, como critério para entrar-se na Glória. Wesley, sendo citado por
Collins, diz o seguinte: "A justiça de Cristo, sem dúvida, é necessária
para qualquer alma que entra na glória. Todavia, a santidade pessoal também é
necessária para todos os filhos de homem. No entanto, é indispensável observar
que elas não são necessárias em diferentes aspectos. A primeira é necessária
para nos dar direito ao céu; a segunda, para qualificar-nos para o céu. Sem a
justiça de Cristo não podemos reivindicar glória; sem a santidade não termos
aptidão para ela" (WESLEY Apud COLLINS, 2010, p. 419). Mais à frente,
Collins comenta que "embora a santificação não seja o fundamento da
justificação (inicial), é o fundamento da justificação final" (COLLINS,
2010, p. 421)
Collins
também destaca uma carta de Wesley a Thomas Church sobre a justificação final:
"A título de ilustração, em 1745, Wesley escreve para Thomas Church e não
só afirma a noção de uma segunda justificação ('Todavia, a santificação
completa acontece antes da nossa justificação no último dia'), mas também
insiste que 'a santidade interior e a exterior são condições determinadas para
a justificação final'" (Ibid, p. 420).
Collins destaca que Wesley voltou-se para Bull, caso já
citado acima por Maddox, devido ao embate contra o antinomianismo calvinista a
partir de 1770. Collins assevera que "É provável que esse novo apreço pelo
bispo [Bull] seja fruto da crescente preocupação de Wesley durante aquela
década, em especial, à medida que conhecera o suposto calvinismo antinomianista
de Walter Shirley, Rowland Hill e outros" (Ibid, p. 420).
Thomas Oden, o erudito metodista mais conhecido do século
passado, que exalava erudição não somente sobre Wesley, mas sobre toda a
patrística (aconselhado pelo Papa Bento XVI a editar um livro sobre o
comentário bíblico dos Pais da Igreja, o que Oden fez), corroborou também sobre
a dupla justificação em Wesley. Vejamos isto na nota de rodapé do seguinte
trecho de sua obra em quatro volumes sobre a teologia de Wesley: Aqui [no
sermão A Justiça da Fé - 6], Wesley está assumindo uma 'dupla justificação' recebida
primeiro pela fé na obra expiatória na cruz e finalmente confirmada na
justificação final no último dia (ODEN, 2012, v. 2, p. 84)
Oden segue afirmando a defesa de Wesley da dupla justificação
citando a carta já citada acima a Thomas Church e o texto Some remarks on Mr.
Hill’s "Farrago Double-Distilled”: "Wesley explicou a distinção
bíblica entre a justificação presente e a justificação final no último dia: 'A
justificação às vezes significa nossa absolvição no último dia. Mas ... aquela
justificação onde nossos Artigos e Homilias falam [significa] perdão presente e
aceitação de Deus; quem em tal pessoa Ele declara Sua justiça e misericórdia,
por ou para a remissão dos pecados do passado.' Assim, 'a justificação de que
falam São Paulo e nossos artigos é uma só ... No entanto, não nego que haja
outra justificação (da qual nosso Senhor fala) no último dia.'" (WESLEY
In: Oden, 2012, p. 55-56, vol 2) Oden deixa mais claro ainda sobre essa
temática citando Wesley a partir do último texto referido acima dele na nota de
rodapé onde consta a citação seguinte: "Nenhuma boa obra pode ser feita
antes da justificação. No entanto, eu acredito (e sem a menor contradição) que
a salvação final é 'pelas obras como uma condição', no sentido de boas obras
fluindo da fé, obras dignas de arrependimento: 'Tudo o que você fez por um dos
menores dos meus irmãos, você fez por mim!'" (WESLEY In: ODEN, p. 56, vol
2).
Por fim, Oden destaca a menção clara sobre a justificação
final por parte de Wesley, que responde a Lavington: "Todo o 'teor' da
liturgia anglicana, artigos e homilias foi resumido de forma concisa por
Wesley: '(1) Que nenhuma boa obra, propriamente chamada, pode ir antes da
justificação; (2) que nenhum grau de verdadeira santificação pode ser anterior
a ela (3) que, como a causa meritória da justificação é a vida e morte de
Cristo, então a condição dela é fé, somente a fé; e (4) que tanto a santidade
interior quanto a exterior são consequentes desta fé e são comuns, condições
declaradas de justificação final.' (ODEN, 2012, p. 86, vol 2.). Constatamos
claramente o quanto Wesley defendia a justificação final pelas obras que são
oriundas da fé.
O livro La Teologia de Juan Wesley (tradução do original em
inglês John Wesley's Theology Today) é um clássico de Colin Williams. Nele,
Williams afirma o seguinte sobre este assunto: "Parece, de fato, que
Wesley cruza até o ponto de vista católico romano de que há duas justificações:
a primeira, pela fé somente, e a justificação segunda e final que vem somente
quando esta fé está formada pelo amor de tal maneira que, por fim, pelo uso
correto da graça de Deus, o crente é capaz de merecer a salvação pelas obras
que seguem à fé." (WILLIAMS, 1989, p. 55)
Williams cita Wesley nas Atas da Conferência de 1744:
"P. 14. São Paulo diz: Abraão não foi justificado por suas obras; São
Tiago diz que foi justificado por suas obras. Não se contradizem um ao outro?
R. Não. (1) Porque não falam da mesma justificação que foi quando Abraão tinha
setenta e cinco anos, uns vinte anos antes que nascesse Isaque; São Tiago fala
da justificação que ocorreu quando ele ofereceu Isaque sobre o altar. (2)
Porque não falam das mesmas obras; São Paulo fala das obras que precedem à fé;
São Tiago fala das obras que saem da fé." (WESLEY Apud WILLIAMS, 1989, p.
55) Williams até brinca sobre uma fala de Lutero que a pessoa que harmonizasse
estas declarações de Paulo e de Tiago teria o título de doutor: "Um
observador se perguntaria se Wesley, com esta explicação, não estaria
qualificado para receber o título de doutor que Lutero ofereceu à pessoa que
pudesse harmonizar essas declarações de Paulo e de Tiago." (WILLIAMS,
1989, p. 55)
O conceituado teólogo erudito em Wesley, Harald Lindström, no
seu livro, também um clássico, Wesley and Sanctification, que é utilizado em
demasia por Maddox, Collins e Williams, afirma que "em princípio a ideia
de dupla justificação e salvação é apresentada imediatamente depois de
1738", enfatizando, mais à frente, que isso "é [...] evidente nas
Minutas de 1744 e em A Farther Appeal [to Men of Reason and Religion],
publicado no seguinte ano", completando que "ao falar da salvação
final na última obra [A Farther Appeal], Wesley chama 'santidade ou obediência
universal de 'condição ordinária'. Para a salvação presente, a fé é a única
condição, mas, para a salvação final, as obras são também necessárias".
(LINDSTRÖM, 1946, p. 207,208).
Lindström afirma que nas Minutas de 1746 (W.VIII, p. 289.
Apud LINDSTRÖM, 1946, p. 208-209) Wesley destaca que cada homem será julgado no
julgamento final de acordo com suas obras. Vejamos as minutas citadas por
Lindström: "P. 24: Mas você considera que estamos debaixo do pacto da
graça, e que o pacto das obras agora é abolido? R. Toda a humanidade estava
debaixo do pacto da graça, desde a hora exata que a promessa original foi
feita. Se pelo pacto das obras você se refere, que a obediência sem recompensa
feita a Adão antes da queda, nenhum homem, a não ser Adão, jamais estava
debaixo do pacto; pois isso foi abolido antes de Caim nascer. Mesmo isso não
foi abolida, mas permanecerá, em uma medida, mesmo no fim do mundo; que é, se
nós 'fizermos isso', nós viveremos; se não fizermos, nós morreremos
eternamente: Se agirmos bem, viveremos com Deus em glória; se fizermos o mal,
morremos a segunda morte. Pois cada homem será julgado naquele dia, e
recompensado 'de acordo com suas obras'" (WESLEY Apud LINDSTRÖM, 1946, p.
208-209).
Em uma carta chamada Carta para Muitos Pregadores e Amigos
[Letter to Several Preachers and Friends] de 10 de julho de 1771, Lindström
declarou o seguinte: "A salvação final pressupõe 'obras como uma
condição'. 'E aquele que nega', Wesley escreve dessa salvação em uma carta
explicando os princípios da mesma conferência de Londres, 'que tanto as boas
obras internas (amar a Deus e nosso próximo) quanto as obras externas
(obedecendo Seus mandamentos) são a condição final dela. O que é isso se não
mais ou menos que 'Sem santidade nenhum homem verá o Senhor?'" (WESLEY
Apud cLINDSTRÖM, 1946, p. 209).
Lindström destaca que "temos visto, então, que a
obediência e obras advindas da fé podem ser direta ou indiretamente chamadas
necessariamente de justificação final" e, logo em seguida, salienta que
"Wesley faz uma distinção entre 'condição' e 'mérito'. Aqui, santificação
é relacionada como uma condição de salvação final, mas não como um mérito no
tocante à justificação ou salvação final concedida ao homem". (LINDSTRÖM,
1946, p. 210).
É altamente importante vermos como Lindström esclarece a
questão sobre Wesley e Fletcher sobre méritos e evidência das obras. Lindström
escreve que "a distinção geral de Wesley entre 'condição' e 'mérito' é
feita mais precisamente por Fletcher em A Second Check to Antinomianism (Apud
LINDSTRÖM, 1946, p. 210), que distingue entre 'evidência das obras' e 'mérito
das obras'. Quando falamos que no julgamento final o homem será justificado
pelas sua obras, nenhum mérito é envolvido no conceito de 'obras', e, mais à
frente, ele destaca: "É o testemunho, não o mérito, das obras que Wesley
tem em mente quando ele torna a justificação final dependente delas. É uma
questão de 'justificação pela evidência das obras'. (LINDSTRÖM, 1946, p. 210).
Lindström continua em sua afirmação de que a "obediência
e santidade são consideradas necessárias para a salvação final, mas elas não
têm significância meritória. Tanto na salvação inicial quanto na final tudo é
dependente da obra de expiação de Cristo." Logo depois, ele declara que
"a insistência simultânea sobre a salvação final como uma obra de Deus e
nas obras como o pré-requisito da justificação final, deve ser entendida à luz
de sua formulação da questão; aqui não é primariamente uma questão de se a salvação
final é obtida através da graça ou do mérito humano" (LINDSTRÖM, 1946, p.
212-213).
Por fim, Lindström salienta que Wesley enfatizava as obras em
total e completa objeção ao entendimento calvinista da eleição: "A
importância que Wesley atribui às obras é principalmente embasada na sua
objeção à doutrina calvinista da eleição" LINDSTRÖM, 1946, p. 214).
José Míguez Bonino abordou sobre a dupla justificação em
Wesley. Segundo ele, é importante ver "a ideia da 'dupla justificação': a
primeira, inteiramente pela fé, no momento da conversão e a segunda 'não sem
obras', no juízo final'. Esta ideia de uma 'dupla justificação' - expressão em
si mesma suspeita para o protestantismo desde a época da Reforma - parece
colocar Wesley decididamente fora do campo protestante. Creio que o problema
deve ser colocado noutros termos. Wesley jamais imagina uma operação humana
autônoma, à parte da graça de Deus". (BONINO IN: BONINO [Et al], 1985,
p.147,148)
Levy da Costa Bastos realça toda a história acima sobre Bull
e Wesley e declara que "Wesley adotou posição radical e irreversível a
esse respeito quando da Conferência de 1770, quando se opôs explicitamente ao
antinomianismo, argumentando que tanto as boas obras externas quanto internas
são condições necessárias para a salvação final (justificação final). (BASTOS
In: RIBEIRO [Et al], 2005, p. 87-88)
Ely Eser Barreto César também propaga a dupla justificação em
Wesley ao afirmar que "Wesley introduz a indispensabilidade das boas obras
de modo teologicamente estranho ao mundo protestante. A partir de sua
constatação empírica da impossibilidade da existência de um cristão sem as
obras oriundas do interior mesmo da fé, mas não podendo afirmar a realidade de
obras meritórias, face à exclusividade da graça de Deus, ele constrói o
conceito da dupla justificação. A primeira, resultado da pura graça, no momento
da conversão. A segunda, 'não sem obras', no juízo final". (CÉSAR In:
RIBEIRO [Et al], 2005, p. 260)
Enfim, todas as citações acima são pertinentes para
evidenciar que Wesley cria na dupla justificação. Sendo assim, foram colocadas
citações diretas dos autores citados. Portanto, não é uma questão de
entendimento particular meu, mas sim uma constatação pesquisada e embasada nos
referidos autores disponibilizados abaixo na bibliografia.
BIBLIOGRAFIA
BASTOS,
Levy da Costa. Justificação e Justiça em John Wesley. In: RIBEIRO [Et
al] Teologia e Prática na Tradição Wesleyana: Uma Leitura a Partir da
América Latina e Caribe. São Bernardo do Campo: Editeo, 2005.
BONINO,
José Míguez Bonino. Metodismo: Releitura Latino-Americana In: BONINO,
José Míguez [Et Al]. Luta pela Vida e Evangelização. São Paulo:
Paulinas, 1985.
CÉSAR,
Ely Eser Barreto. O Projeto Missionário Presente no Plano para a Vida e a
Missão Confrontado com a Tradição Wesleyana e a Programação Missionária da IM
no Brasil de 2003. In: RIBEIRO [Et al] Teologia e Prática na Tradição
Wesleyana: Uma Leitura a Partir da América Latina e Caribe. São Bernardo do
Campo: Editeo, 2005.
COLLINS,
Kenneth. Teologia de John Wesley: O Amor Santo e a Forma da Graça.
[Trad. Lena Aranha]. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
LINDSTRÖM,
Harald. Wesley and Santifcation. Stockholm: Uppsala, 1946.
MADDOX,
Randy. Graça Responsável: A Teologia Prática de John Wesley. [Trad.
Elisângela A. Soares]. São Bernardo do Campo: Editeo, 2019
ODEN,
Thomas. John Wesley's Teachings: Christ and Salvation. Vol 2. Grand
Rapids: Zondervan, 2012.
WILLIAMS,
Colin. La Teologia de Juan Wesley: Una Investigación Histórica [Trad.
Roy H. May; Fanny Geymonat]. San José: Sebilla, 1989.