por Ben
Witherington, out 2015
É fato
curioso, mas, mesmo assim, não deixa de ser um fato (como corretamente Thomas
Schreiner se queixou), que os arminianos não fizeram um trabalho exaustivo para
articular o que o conceito de graça preveniente significa, e por que é
importante. Felizmente, para remediar a deficiência, agora há uma obra de Brian
Shelton (Prevenient Grace: God’s
provision for fallen humanity [Graça Preveniente: a provisão de Deus para a
humanidade caída]), da qual ele gentilmente me enviou um exemplar. O livro tem
283 páginas e cobre o tema “de popa a proa”, incluindo discussões de teologia
bíblica, histórica e sistemática. Shelton mostra que a ideia faz sentido e, de
fato, é vital para uma adequada teologia da queda do homem e da graça de Deus.
Minha preocupação, como já a expressei em The
Problem with Evangelical Theology [O Problema com a Teologia Evangélica, 2ª
ed.], é que as bases exegéticas para esse conceito parecem ser frágeis, e ninguém deveria construir enormes edifícios
teológicos, não importa quão esplêndidos ou consistentes, sobre alicerces
frágeis. Este post focará naquilo que
Brian diz acerca da evidência exegética para o conceito, ao qual dedica 44
páginas do livro (na realidade, as primeiras dez páginas do capítulo tratam
principalmente da depravação humana e do pecado original, não da graça
preveniente).
A primeira
dificuldade que tenho com a matéria é a colocação da discussão sob o termo graça. Essa direção teológica não é
surpresa, uma vez que toda a teologia da Reforma se concentrou fortemente na
salvação pela graça por meio da fé, e, mesmo antes disso, Aquino e Agostinho
muito disseram a respeito da graça, incluindo uma espécie de graça que não é
“graça salvadora”. No esquema wesleyano, diferentes formatos de graça estão
relacionados aos vários estágios do processo de salvação: graça preveniente,
que atrai a pessoa a Cristo; graça salvadora, que vem com a justificação e, às
vezes, chamada de graça justificadora; graça santificadora, sendo aquela que
opera na vida dos que já são cristãos; e, por fim, graça aperfeiçoadora ou
glorificadora, que leva o processo de salvação à sua conclusão apropriada.
Isso, naturalmente, visa a deixar claro que a salvação é pela graça do começo
ao fim, qualquer que seja o papel secundário que a pessoa que está sendo salva
possa desempenhar no processo. Embora, certamente, haja considerável debate
sobre a graça no Novo Testamento, o fato é que a expressão “graça preveniente”
não aparece no NT, assim como a expressão nominal “o batismo do Espírito
Santo”. A questão, então, vem a ser: a ideia ou conceito está presente no Novo Testamento?
Penso que
parte do problema é que a discussão ficou muito restrita ao âmbito dos debates
sobre a graça. Tome, por exemplo, o Evangelho de João, que é tão importante
para a defesa que Shelton faz a favor da graça preveniente. A própria palavra
graça (charis) realmente ocorre
apenas em uma ocasião em todo o Evangelho, no primeiro capítulo (“a graça e a
verdade vieram por meio de Jesus Cristo”). Em contrapartida, o Espírito Santo e
Cristo aparecem em um grande número de passagens. Então, eu diria,
inicialmente, que seria bem melhor falar da obra
preveniente do Espírito sobre o não crente, e no mundo, do que falar sobre graça preveniente. Essa é uma abordagem
muito mais exegeticamente defensável sob vários aspectos.
O segundo aspecto
do problema, de novo falando teologicamente, é que há passagens muito claras no
Novo Testamento, por exemplo Romanos 7:14-25, que evidenciam que, no mínimo,
uma enorme parte da humanidade está na escravidão do pecado, e dela não consegue
livrar-se. Tais pessoas podem, às vezes, desejar agir de outro modo, e o texto
mesmo diz que querem fazê-lo de forma diferente, mas quando tratam de fazer,
estão presas à pratica de algo pecaminoso. A passagem inteira não se harmoniza
confortavelmente com a noção de graça preveniente universal, se por essa noção
pretende-se dizer que o pecador tem livre arbítrio libertário por ocasião do
pecado. Se, por outro lado, o que se entende pelo conceito é simplesmente a
mera habilidade que permite responder positivamente ao Evangelho, quando é
ouvido, essa é outra questão, que o próprio Wesley enfrentou em antigo sermão
sobre o homem natural vs. o homem
evangélico etc., concluindo finalmente em sermões posteriores que não há tal
coisa como um homem puramente natural, totalmente desprovido da graça
preveniente (exceto talvez se a pessoa se afaste dessa graça?). Precisamos
agora tratar exegeticamente do cerne da questão.
Primeiramente,
não penso que Romanos 1:18-32 realmente nos ajude muito nesse exame. Não se
trata de uma abordagem sobre a graça, ou da graça que vem a todos os homens
como resultado da intervenção divina de Cristo. Ao contrário, o texto trata da
revelação geral da realidade de Deus e de seu poder a toda a humanidade por
intermédio da criação divina. Se essa passagem quer dizer alguma coisa, diz
respeito à noção de que todos os seres humanos, criados à imagem de Deus, ficam
inescusáveis, quando se trata de saber que Deus é, e é Todo-Poderoso, pois tem
se revelado a todos na e através da criação e de suas criaturas.
“Os céus contam a glória de Deus...” e assim por diante. Trata-se da teologia
da criação, não da teologia da redenção, e, desse modo, não surpreendentemente
está em causa Deus, o Pai, e sua ira contra toda iniquidade, e não Jesus, o
Filho, e sua graça. Esta última abordagem vem adiante em Romanos. O capítulo 2 é
um pouco mais útil, porque fala acerca da tolerância, bondade e paciência de
Deus com os pecadores gentios e judeus, mas o que se afirma ali tem a ver com o
caráter de Deus, e não com alguma dispensação universal da graça que rompe a
escravidão do pecado.
Muito mais
relevante é a análise feita por Shelton do Evangelho de João (pp. 24 e segs.),
e especialmente João 1:9, que considero estar se referindo a Cristo, que é a
luz que vem ao mundo por meio da encarnação conforme tratada nessa passagem, e
nos é dito que ele ilumina a todos, a toda a humanidade em sua vinda. Se
simplesmente nos ativermos ao contexto imediato, no mínimo isso significa que
Cristo revela a todos sua condição espiritual de trevas e, consequentemente, a
necessidade de arrependimento e salvação. Essa passagem não é meramente sobre a
teologia da criação e da revelação geral de Deus na criação, mas sobre a aurora
da redenção, porque Deus ama o mundo inteiro e deseja que ninguém pereça. Agora
estamos chegando a algum lugar.
Igualmente
conveniente é a desconstrução que o autor faz da habitual interpretação
calvinista de João 6:44. Como Shelton corretamente frisa, esse texto sobre a atração das pessoas por Deus com certeza
tem de ser relacionado com João 12:32, onde se diz que, quando Cristo fosse
levantado na cruz, ele atrairia (o mesmo verbo grego) todos os seres humanos para si. Atrair, então, pode não ter nada a
ver com a noção calvinista de eleição ou chamada eficaz dos poucos
predestinados. E João 12:32, como Shelton também deixa claro, não pode ser
defraudado com o frágil argumento de que estava meramente sugerindo que Cristo
atrairia todas as classes ou tipos de pessoas para si mesmo. Não. O texto não
diz isso, e muito do restante desse Evangelho não comporta tal leitura de João
12:32. Há um aspecto que Shelton não pontuou que vale a pena salientar: o termo
“mundo” (kosmos em grego) nesse
Evangelho se refere a todo o mundo da humanidade caída, a quem Cristo veio
salvar. Dessa forma, quando lemos em João 3:16-17 que Deus ama o mundo, não há
como isso ser manipulado para o pensamento de que Deus tem amor pactual pelos
eleitos.
E é neste
ponto que eu digo que, embora João 1:9 mostre claramente que Cristo é aquele
que ilumina nossa condição espiritual, é o Espírito Santo quem, de acordo com o
Quarto Evangelho, evidencia a condenação, convence e converte a pessoa (note-se
que o Espírito evidencia ao mundo a condenação pelo pecado – João
16:8-11). O Espírito é também aquele que, após a conversão, guia o discípulo a
toda a verdade. Assim, parece-me que é preferível falar da obra preveniente do
Espírito no descrente a tratar de graça preveniente. Por fim, o que, então,
deveríamos fazer de Romanos 7:13-25?
Primeiramente,
como discorro extensamente em meu comentário à Carta aos Romanos, as pessoas a
que essa passagem se refere são todas aquelas que estão “em Adão” e alheias a
Cristo. Em Cristo há, verdadeiramente, libertação da escravidão do pecado (veja
Romanos 8:1-4). Paulo está apresentando uma visão cristã da condição pré-cristã,
a qual efetivamente envolve a escravidão do pecado. Mas é essa mesma passagem
que nos conta que esse “Eu” em questão tem uma consciência, deseja fazer
melhor, mas não consegue, e poderíamos mesmo dizer que está sob a convicção de
pecado. Essa é uma razão pela qual uma
das sugestões de Wesley em alusão a Romanos 7:14-25 é a de que o texto descreve
alguém à beira da conversão e sob a convicção de pecado. Penso que a sugestão
provavelmente esteja correta.
Discordo da noção
de que o ser humano perdeu a imagem divina e a capacidade de consciência na
Queda. Se fosse assim, o próprio Adão não teria experimentado vergonha por seu
pecado. Sem consciência, não há vergonha. O que Paulo está sugerindo é que o
Espírito restaura a simples habilidade para corresponder à convicção operada pelo
próprio Espírito e clamar voluntariamente e sem predeterminação: “quem me
livrará deste corpo de pecado?”. É esse o clamor do coração - o clamor para ser
livre da escravidão do pecado - que o Deus gracioso capacita qualquer pessoa a
proferir oportunamente na vida, e, desse modo, responder positivamente ao
pregador que então diz: “graças a Deus por Jesus Cristo, pois agora nenhuma
condenação há para os que estão em Cristo Jesus”.
Em outras
palavras, prefiro falar da obra contínua da Trindade, que possibilita que a
pessoa responda ao chamado para arrependimento e fé em Jesus Cristo, a falar de
graça preveniente, embora, certamente, aquilo de que estou falando envolva o
favor imerecido de Deus, seu dom gratuito. Nem mesmo se pode pedir a Deus
ajuda, sem que Ele já tenha trabalhado na vida do pecador. Não necessitamos de
uma doutrina de predeterminação, ou chamado eficaz do eleito, para lidarmos
adequadamente com o que dizem o Quarto Evangelho e a Carta de Paulo aos Romanos
sobre essas coisas. E, finalmente, caso mais uma vez você esteja se perguntando
a respeito de Romanos 8:28 e segs., ali Paulo está confortando aqueles que amam
a Deus e são chamados segundo a escolha ou propósito (não diz “sua” escolha ou
propósito [no original]) a que, de fato, foram destinados previamente, para
serem conformes à imagem do Filho de Deus. Trata-se do destino daqueles que
estão em Cristo, não da determinação prévia de quem será admitido a estar em
Cristo. A história de Cristo é o nosso destino, em que somos completamente moldados
à sua imagem por meio da ressurreição no Último Dia.
Pense nessas
coisas.
Tradução: Wesiley Monteiro