O texto de Heber Carlos de Campos tem um tom muito educado quanto às críticas que ele faz ao cerne do pensamento armínio-wesleyano, que é a graça preveniente, e muito acurado na elucidação que ele aborda o tema. Sinceramente, Campos demonstra um entendimento correto e cumpriu o propósito essencial de qualquer análise crítica de um pensamento oposto ao seu, que é ir direto às fontes primárias. Ele escreveu duas partes, sendo que trataremos da primeira parte de sua resenha. Campos trabalha exclusivamente com autores armínio-wesleyanos. Não menciona arminianos clássicos (como Robert Picirilli, Leroy Forlines, Mathew Pinson e outros). Você pode conferir a resenha do Heber Carlos Campos aqui.
Campos começa sua resenha crítica separando os conceitos de graça comum (calvinista) da graça preveniente (arminiana). A primeira não tem propósito salvífico, algo que tem na segunda. Ele aborda muito bem a questão que a graça preveniente não leva necessariamente a pessoa a crer, mas esta crê por causa daquela. O resenhista cita o teólogo wesleyano Jeff Paton, que afirma: "sem a graça ou o poder para crer nenhum homem jamais creu ou pode crer".
O autor assevera que os arminianos respondem a pergunta sobre o porquê de nem todos crerem, já que todos recebem a graça preveniente, afirmando que é por causa do uso devido ou indevido da liberdade da vontade, a tônica da antropologia libertária.
Campos dilui um entendimento errado que muitos calvinistas têm para com o arminianismo (seja o clássico ou o wesleyano), que é a falsa afirmação que os arminianos creem numa depravação parcial. Campos afirma que Calvino e Wesley têm posições parecidas quanto à questão da depravação humana, ou seja, ambos creem na depravação total.
O resenhista destaca que a justificação apenas pela fé está para o luteranismo assim como a graça preveniente está para o wesleyanismo. Campos cita o teólogo metodista Robert Chiles, que assevera em seu livro Theological Transition in American Methodism que sem o conceito de graça preveniente, o calvinismo é irrefutável.
No seguimento de sua resenha, Campos afirma que a depravação total vai perdendo força com a atuação da graça preveniente ao ser destinada a todas as pessoas. Aqui houve uma crítica velada ao entendimento arminiano (seja das duas vertentes), pois o resenhista deixa a entender que a depravação já não é mais total com a atuação da graça preveniente. A questão é que todo homem sem a graça está totalmente incapacitado de responder o Evangelho. Não há nada demais, ao meu ver, em a depravação já não ser total com a graça. Errado seria se o arminianismo advogasse que a depravação total não existisse antes da graça preveniente.
Campos afirma que o wesleyanismo surgiu no meio anglicano. Com isso, houve duas interpretações do artigo sobre o livre-arbítrio dos 39 Artigos de Fé da Igreja Anglicana. Uma era a interpretação católica (anglo-católica) e a outra era a interpretação calvinista. Os calvinistas, declara o resenhista, não ficaram contentes quando o artigo evoca que a graça coopera quando temos boa vontade. Já o entendimento católico se coadunava com essa interpretação do décimo artigo, sendo a interpretação que Wesley adotava.
O resenhista cita João 1:9, João 12:32 e Tito 2:9 como provas bíblicas que os armínio-wesleyanos usam para validar biblicamente a graça preveniente, assim como todos os versículos bíblicos que os arminianos se baseiam quanto à expiação universal. Contudo, Campos, citando Millard Erickson, critica o embasamento bíblico armínio-wesleyano da graça preveniente afirmando que ela não se encontra nas Escrituras. Campos cita até Clark Pinnock, que afirmou isso também. Entretanto, recomendo o livro do pastor assembleiano Valmir Nascimento chamado Graça Preveniente, publicado pela editora Reflexão para a verificação de um respaldo bíblico acerca da graça preveniente.
Campos menciona a citação de Wesley sobre ninguém neste mundo ser destituído da graça preveniente, pois ninguém está no seu estado de natureza sem a influência da graça. É preciso destacar que esse é o entendimento armínio-wesleyano da graça preveniente. O arminianismo clássico entende que é só pela pregação do Evangelho que a graça preveniente atua libertando o arbítrio da pessoa para que ela possa crer se quiser.
O trecho do escrito de Campos, a saber, "portanto, na teologia arminiana/wesleyana, o pecado de Adão, por causa da graça preveniente, nunca traz mais qualquer condenação ao pecador", não é preciso, pois dá a entender que a teologia arminiana não advoga mais condenação a ninguém.
O resenhista afirma que Wesley em momentos de seus escritos se aproxima do entendimento calvinista sobre o momento da irresistibilidade da graça preveniente e em outros momentos se aproxima do entendimento semipelagiano católico e arminiano protestante. Ele cita Wesley afirmando que em alguns a graça é irresistível. Sobre isso, é mister destacar que Wesley pensava, como muitos arminianos hoje pensam, que a graça preveniente é, a princípio, irresistível, pois ela não pede o consentimento de ninguém para atuar libertando o arbítrio de todas as pessoas para que possam crer no Evangelho e serem salvas. Campos cita Paton acerca disso. Somente nesse momento inicial ela é irresistível. Posteriormente, quando o arbítrio humano é liberto, ela não é mais irresistível. Sobre Wesley afirmar que em alguns a graça salvífica é irresistível, ele dá a entender isso mesmo em um texto que ele escreveu para apaziguar os ânimos com seu amigo calvinista George Witheifield. Contudo são somente alguns poucos que a graça salvífica é irresistível (Wesley mesmo diz que não pode provar isso), mas que na grande maioria das pessoas a graça salvífica atua de forma resistível. Campos cita o metodista Gregory Neal, que afirma que a graça irresistível não é nem graça nem dom.
O resenhista menciona Gênesis 6:3 e João 6:39,44 como usados pelos arminianos para defenderem sua doutrina. Em Gênesis 6:3, Campos salienta que os arminianos declaram que o homem luta com Deus e pode vencê-lo. A respeito de João 6:39, 44 são versos acerca da atração da graça preveniente.
Campos cita novamente Paton, que menciona Gálatas 2:21 e Hebreus 10:29 sobre a questão da luta humana que pode desembocar na salvação. Cita mais uma vez Paton que, segundo Campos, afirma uma via média entre o calvinismo e o libertarianismo ao declarar que o homem natural não é livre para responder por si mesmo. A questão é que este é o entendimento intrínseco do arminianismo.
O resenhista menciona que para Wesley a soberania de Deus não é o mais importante. Grosso modo, podemos até concordar com Campos. Wesley destacava sim mais o amor de Deus do que sua soberania. A respeito disso, destaco o livro do metodista livre Don Thorsen chamado Calvino x Wesley e publicado pela editora Carisma, onde, em um dos capítulos, Thorsen destaca essa ênfase de Wesley mais no amor de Deus do que na sua soberania.
Campos salienta que a graça preveniente livrou Wesley da acusação de salvação pelas obras. Ele destaca também que Wesley entendia que sem a graça preveniente o homem não é responsável, porque não pode responder ao chamado salvífico de Deus. Com ela, o homem se torna indesculpável, pois os efeitos do pecado original foram diminuídos.
O resenhista destaca que para os arminianos a morte de Cristo anula o pecado original em todos os seus efeitos. Contudo, desconheço qualquer arminiano afirmar isso, nem em Armínio nem em Wesley. Seria bom se Campos citasse fontes dessa sua declaração.
Campos cita o famoso teólogo wesleyano do século XIX John Miley, que declara que todos os homem são redimidos. Campos salienta que é melhor ter afirmado que todos os homens são redimíveis. Neste ponto, seria preciso ver a citação de Miley no original em inglês para uma melhor análise.
O resenhista cita Kenneth Grider, que cita um evangelista (que Campos não cita o nome, mas é o evangelista nazareno Bud Robinson) afirmando que Deus vota a favor do homem, o diabo vota contra o homem, mas o homem tem o poder decisivo. Vendo a citação na obra de Grider, entendo que ele não consentia com essa declaração, mas somente a citou. Claramente, este é um entendimento errôneo acerco do arminianismo (seja de qualquer vertente). Roger Olson critica esse falso entendimento arminiano no seu livro Teologia Arminiana - Mitos e Realidades publicado pela editora Reflexão.
Mais à frente, Campos cita a teóloga Mildred Bangs Wynkoop, que declara que a graça possibilita ser ela mesma rejeitada. Campos entende que isso é fazer com que a graça lute contra si mesma. Este entendimento é quando não se tem um entendimento libertário da vontade humana, ou seja, que não crê que o ser humano tem vontade livre, tendo somente a vontade orquestrada por Deus. Entendimento este de Campos.
Campos cita Kenneth Jones, que declara que o Espírito Santo atua com a graça preveniente tão logo a criança possa entender qualquer coisa. Seria melhor entendido quando explicado que a graça preveniente atua libertando o arbítrio humano tão logo a criança alcança a idade da razão.
O autor cita metodistas liberais (ou progressistas) que creem que a graça preveniente salva pessoas que nunca ouviram o Evangelho independente delas crerem ou não. Estas são salvas somente por contemplarem as obras da criação. Ele cita Wesley Ariarajah, que afirma que a tarefa evangelística é ajudar as pessoas a se moverem da graça preveniente para a graça salvadora, já que todas são salvas. É preciso destacar que uma parcela do metodismo aderiu à teologia liberal, sendo que a maior parte não é liberal, mas sim conservadora.
Em sua conclusão da primeira parte do seu artigo sobre a graça preveniente no pensamento armínio-wesleyano, Campos critica os arminianos ao afirmar que a graça preveniente é apenas um arranjo para suavizar os efeitos do pecado nos homens e que é incrível como a graça possa ser dada para a própria desgraça do que a recebe. A questão é que qualquer coisa que pode ser dada, pode se transformar em uma coisa boa ou má. Isto vale para o dinheiro, carro e até um cônjuge!
Em um próximo artigo, comentarei acerca da segunda parte da resenha de Campos. Saliento novamente que Campos fez um bom trabalho, a despeito de algumas críticas que ele fez que são até normais, haja vista ele ser de tradição reformada.
Marlon Marques
Faz alguns anos que li esse artigo do Heber Campos. Realmente foi um dos poucos artigos sobre wesleyanismo mais coerentes vindo de uma pena calvinista. Suas ponderações e inserções foram brilhantes! Parabéns pelo artigo, Marlon! Abraços!
ResponderExcluirObrigado pelas palavras de elogio, meu querido Luís Felipe. Abração!
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