terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Comentários sobre o Artigo de Heber Carlos Campos chamado A Graça Preveniente na Tradição Arminiana/Wesleyana (Parte 1)

    O texto de Heber Carlos de Campos tem um tom muito educado quanto às críticas que ele faz ao cerne do pensamento armínio-wesleyano, que é a graça preveniente, e muito acurado na elucidação que ele aborda o tema. Sinceramente, Campos demonstra um entendimento correto e cumpriu o propósito essencial de qualquer análise crítica de um pensamento oposto ao seu, que é ir direto às fontes primárias. Ele escreveu duas partes, sendo que trataremos da primeira parte de sua resenha. Campos trabalha exclusivamente com autores armínio-wesleyanos. Não menciona arminianos clássicos (como Robert Picirilli, Leroy Forlines, Mathew Pinson e outros). Você pode conferir a resenha do Heber Carlos Campos aqui.
    Campos começa sua resenha crítica separando os conceitos de graça comum (calvinista) da graça preveniente (arminiana). A primeira não tem propósito salvífico, algo que tem na segunda. Ele aborda muito bem a questão que a graça preveniente não leva necessariamente a pessoa a crer, mas esta crê por causa daquela. O resenhista cita o teólogo wesleyano Jeff Paton, que afirma: "sem a graça ou o poder para crer nenhum homem jamais creu ou pode crer".
    O autor assevera que os arminianos respondem a pergunta sobre o porquê de nem todos crerem, já que todos recebem a graça preveniente, afirmando que é por causa do uso devido ou indevido da liberdade da vontade, a tônica da antropologia libertária.
    Campos dilui um entendimento errado que muitos calvinistas têm para com o arminianismo (seja o clássico ou o wesleyano), que é a falsa afirmação que os arminianos creem numa depravação parcial. Campos afirma que Calvino e Wesley têm posições parecidas quanto à questão da depravação humana, ou seja, ambos creem na depravação total.
    O resenhista destaca que a justificação apenas pela fé está para o luteranismo assim como a graça preveniente está para o wesleyanismo. Campos cita o teólogo metodista Robert Chiles, que assevera em seu livro Theological Transition in American Methodism que sem o conceito de graça preveniente, o calvinismo é irrefutável.
    No seguimento de sua resenha, Campos afirma que a depravação total vai perdendo força com a atuação da graça preveniente ao ser destinada a todas as pessoas. Aqui houve uma crítica velada ao entendimento arminiano (seja das duas vertentes), pois o resenhista deixa a entender que a depravação já não é mais total com a atuação da graça preveniente. A questão é que todo homem sem a graça está totalmente incapacitado de responder o Evangelho. Não há nada demais, ao meu ver, em a depravação já não ser total com a graça. Errado seria se o arminianismo advogasse que  a depravação total não existisse antes da graça preveniente.
    Campos afirma que o wesleyanismo surgiu no meio anglicano. Com isso, houve duas interpretações do artigo sobre o livre-arbítrio dos 39 Artigos de Fé da Igreja Anglicana. Uma era a interpretação católica (anglo-católica) e a outra era a interpretação calvinista. Os calvinistas, declara o resenhista, não ficaram contentes quando o artigo evoca que a graça coopera quando temos boa vontade. Já o entendimento católico se coadunava com essa interpretação do décimo artigo, sendo a interpretação que Wesley adotava.
    O resenhista cita João 1:9, João 12:32 e Tito 2:9 como provas bíblicas que os armínio-wesleyanos usam para validar biblicamente a graça preveniente, assim como todos os versículos bíblicos que os arminianos se baseiam quanto à expiação universal. Contudo, Campos, citando Millard Erickson, critica o embasamento bíblico armínio-wesleyano da graça preveniente afirmando que ela  não se encontra nas Escrituras. Campos cita até Clark Pinnock, que afirmou isso também. Entretanto, recomendo o livro do pastor assembleiano Valmir Nascimento chamado Graça Preveniente,  publicado pela editora Reflexão para a verificação de um respaldo bíblico acerca da graça preveniente.
    Campos menciona a citação de Wesley sobre ninguém neste mundo ser destituído da graça preveniente, pois ninguém está no seu estado de natureza sem a influência da graça. É preciso destacar que esse é o entendimento armínio-wesleyano da graça preveniente. O arminianismo clássico entende que é só pela pregação do Evangelho que a graça preveniente atua libertando o arbítrio da pessoa para que ela possa crer se quiser.
    O trecho do escrito de Campos, a saber, "portanto, na teologia arminiana/wesleyana, o pecado de Adão, por causa da graça preveniente, nunca traz mais qualquer condenação ao pecador", não é preciso, pois dá a entender que a teologia arminiana não advoga mais condenação a ninguém. 
    O resenhista afirma que Wesley em momentos de seus escritos se aproxima do entendimento calvinista sobre o momento da irresistibilidade da graça preveniente e em outros momentos se aproxima do entendimento semipelagiano católico e arminiano protestante. Ele cita Wesley afirmando que em alguns a graça é irresistível. Sobre isso, é mister destacar que Wesley pensava, como muitos arminianos hoje pensam, que a graça preveniente é, a princípio, irresistível, pois ela não pede o consentimento de ninguém para atuar libertando o arbítrio de todas as pessoas para que possam crer no Evangelho e serem salvas. Campos cita Paton acerca disso. Somente nesse momento inicial ela é irresistível. Posteriormente, quando o arbítrio humano é liberto, ela não é mais irresistível. Sobre Wesley afirmar que em alguns a graça salvífica é irresistível, ele dá a entender isso mesmo em um texto que ele escreveu para apaziguar os ânimos com seu amigo calvinista George Witheifield. Contudo são somente alguns poucos que a graça salvífica é irresistível (Wesley mesmo diz que não pode provar isso), mas que na grande maioria das pessoas a graça salvífica atua de forma resistível. Campos cita o metodista Gregory Neal, que afirma que a graça irresistível não é nem graça nem dom.
    O resenhista menciona Gênesis 6:3 e João 6:39,44 como usados pelos arminianos para defenderem sua doutrina. Em Gênesis 6:3, Campos salienta que os arminianos declaram que o homem luta com Deus e pode vencê-lo. A respeito de João 6:39, 44 são versos acerca da atração da graça preveniente.
    Campos cita novamente Paton, que menciona Gálatas 2:21 e Hebreus 10:29 sobre a questão da luta humana que pode desembocar na salvação. Cita mais uma vez Paton que, segundo Campos, afirma uma via média entre o calvinismo e o libertarianismo ao declarar que o homem natural não é livre para responder por si mesmo. A questão é que este é o entendimento intrínseco do arminianismo.
    O resenhista menciona que para Wesley a soberania de Deus não é o mais importante. Grosso modo, podemos até concordar com Campos. Wesley destacava sim mais o amor de Deus do que sua soberania. A respeito disso, destaco o livro do metodista livre Don Thorsen chamado Calvino x Wesley e publicado pela editora Carisma, onde, em um dos capítulos, Thorsen destaca essa ênfase de Wesley mais no amor de Deus do que na sua soberania.
    Campos salienta que a graça preveniente livrou Wesley da acusação de salvação pelas obras. Ele destaca também que Wesley entendia que sem a graça preveniente o homem não é responsável, porque não pode responder ao chamado salvífico de Deus. Com ela, o homem se torna indesculpável, pois os efeitos do pecado original foram diminuídos.
    O resenhista destaca que para os arminianos a morte de Cristo anula o pecado original em todos os seus efeitos. Contudo, desconheço qualquer arminiano afirmar isso, nem em Armínio nem em Wesley. Seria bom se Campos citasse fontes dessa sua declaração.
    Campos cita o famoso teólogo wesleyano do século XIX John Miley, que declara que todos os homem são redimidos. Campos salienta que é melhor ter afirmado que todos os homens são redimíveis. Neste ponto, seria preciso ver a citação de Miley no original em inglês para uma melhor análise.
    O resenhista cita Kenneth Grider, que cita um evangelista (que Campos não cita o nome, mas é o evangelista nazareno Bud Robinson) afirmando que Deus vota a favor do homem, o diabo vota contra o homem, mas o homem tem o poder decisivo. Vendo a citação na obra de Grider, entendo que ele não consentia com essa declaração, mas somente a citou. Claramente, este é um entendimento errôneo acerco do arminianismo (seja de qualquer vertente). Roger Olson critica esse falso entendimento arminiano no seu livro Teologia Arminiana - Mitos e Realidades publicado pela editora Reflexão.
    Mais à frente, Campos cita a teóloga Mildred Bangs Wynkoop, que declara que a graça possibilita ser ela mesma rejeitada. Campos entende que isso é fazer com que a graça lute contra si mesma. Este entendimento é quando não se tem um entendimento libertário da vontade humana, ou seja, que não crê que o ser humano tem vontade livre, tendo somente a vontade orquestrada por Deus. Entendimento este de Campos.
    Campos cita Kenneth Jones, que declara que o Espírito Santo atua com a graça preveniente tão logo a criança possa entender qualquer coisa. Seria melhor entendido quando explicado que a graça preveniente atua libertando o arbítrio humano tão logo a criança alcança a idade da razão.
    O autor cita metodistas liberais (ou progressistas) que creem que a graça preveniente salva pessoas que nunca ouviram o Evangelho independente delas crerem ou não. Estas são salvas somente por contemplarem as obras da criação. Ele cita Wesley Ariarajah, que afirma que a tarefa evangelística é ajudar as pessoas a se moverem da graça preveniente para a graça salvadora, já que todas são salvas. É preciso destacar que uma parcela do metodismo aderiu à teologia liberal, sendo que a maior parte não é liberal, mas sim conservadora.
    Em sua conclusão da primeira parte do seu artigo sobre a graça preveniente no pensamento armínio-wesleyano, Campos critica os arminianos ao afirmar que a graça preveniente é apenas um arranjo para suavizar os efeitos do pecado nos homens e que é incrível como a graça possa ser dada para a própria desgraça do que a recebe. A questão é que qualquer coisa que pode ser dada, pode se transformar em uma coisa boa ou má. Isto vale para o dinheiro, carro e até um cônjuge!
    Em um próximo artigo, comentarei acerca da segunda parte da resenha de Campos. Saliento novamente que Campos fez um bom trabalho, a despeito de algumas críticas que ele fez que são até normais, haja vista ele ser de tradição reformada.

Marlon Marques
    

    

2 comentários:

  1. Faz alguns anos que li esse artigo do Heber Campos. Realmente foi um dos poucos artigos sobre wesleyanismo mais coerentes vindo de uma pena calvinista. Suas ponderações e inserções foram brilhantes! Parabéns pelo artigo, Marlon! Abraços!

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    1. Obrigado pelas palavras de elogio, meu querido Luís Felipe. Abração!

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